terça-feira, 29 de novembro de 2011

Memórias Literárias

Encerrando o trabalho o gênero Memórias Literárias, nas aulas de Leitura e Produção de Textos, os alunos das 6ªs séries entrevistaram a nossa querida e eterna professora Cida Cardoso que em uma tarde gelada nos aqueceu com sua meiguice e simpatia.








Olhos e ouvidos atentos para não perder nada e colher histórias, lembranças e, sobretudo, lições de vida.

A entrevista, transcrita e retextualizada, transformou-se em saborosas “memórias” nas mãos de aprendizes de leitores/escritores.

Lembranças penduradas no tempo

Não foi difícil cair nas graças de Dona Cida. Gentil, carinhosa e sincera começou já falando de sua vida e demonstrando sua simpatia e amor pelas crianças e pela educação.

“Cabeça de velho não funciona muito bem, mas sempre nos leva longe no tempo. Parece que estou ouvindo bem baixinho a algazarra de meus irmãos brincando no quintal, os passarinhos cantando na velha mangueira cheia de frutos açucarados de maduros.

Passei minha infância em um sítio na cidade de Cunha. Naquela época não era tão fácil ir para a escola como é hoje. Eu andava uns três quilômetros em estrada de chão debaixo de sol, chuva, frio para chegar à escola, mas era gostoso viver lá. Andar a cavalo, andar de bicicleta, subir em árvores: tudo isso que criança gosta, mas não faz muito hoje em dia.

Eu adorava estudar, mas lá no sítio só havia escola até a quarta série. Assim, um dia tive que deixar para trás as brincadeiras, o quintal, a velha mangueira com os passarinhos que alegravam a manhã inteira com sua sinfonia. Entre medo e encantamento vim para Guaratinguetá para continuar meus estudos.

Tudo era novo para uma menina de apenas treze anos vivendo na década de 1950. Morei em pensão, em colégio interno. Morei com meninas de outras cidades – de Bananal, de Itajubá. Foi difícil deixar meus pais, meus irmão, minha casa para poder estudar. Além disso, o estudo é bem mais difícil que hoje. Não tínhamos livros, copiávamos tudo à mão, as provas eram muito difíceis, havia prova oral, não era essa facilidade que vocês têm hoje. Era muito difícil mesmo.

Quando me vejo aqui, longe no tempo vejo que valeu a pena. Eu tinha um sonho, um sonho. Queria ter uma profissão, uma profissão muito importante. Então decidi ser professora. Naquela época, ser professora era muito importante. Os alunos respeitavam muito os professores. Todos respeitavam.

Eu adorava trabalhar com criança e até hoje adoro. Eu fiz uma coisa que eu gostava, por isso me sinto realizada.

Dei aula na roça, era longe. Eu ia de carro, levava merenda, dava carona pra as crianças que moravam distante da escolinha. Quando chovia não dava pra chegar lá.

Era difícil, muito difícil, mas eu adorava. A escola era uma sala onde estudavam alunos de três ou quatro séries diferentes. Quando eu chegava a minha casa, preparava um tipo de aula para cada série e levava tudo prontinho para ensinar meus alunos.

Sempre que possível eu fazia festas, gincanas para os alunos. Eu me lembro que ia à Aparecida e comprava brinquedos para premiar os vencedores. Era muito gratificante ver as carinhas de felicidade.

Hoje, quando me perguntam o que mais me marcou ao longo da minha profissão digo que certamente foi poder ter o privilégio de ver meus alunos aprendendo a ler, aprendendo a escrever. Era uma gloria, emoção inesquecível.

Produção coletiva da 6A

Voltando no tempo

Quando vimos dona Cida entrando na sala de aula logo percebemos que iriamos gostar dela. Uma senhora de 72 anos, simpática, alegre, voz suave, não nos escondeu nada de sua vida.

“A minha infância foi toda na roça. Fui criada em Cunha. Naquela época nem tudo era fácil como hoje. Para ir à escola tinha que andar uma grande distância, era frio e, além disso, as estradas eram de terra.

Era difícil, mas também divertido. O que eu mais gostava de fazer era andar a cavalo, de bicicleta, brincar com meus irmãos.

Na mudança da infância para a adolescência minha vida mudou rapidamente. Aos treze anos tive que me mudar de Cunha e vir para Guaratinguetá em busca de estudos porque lá na minha cidade não havia escola para além da 4ª série.

Eu vim sozinha. Morei em pensão com um grupo de meninas, cada uma de uma cidade diferente; fiquei em internato. E estudar naquela época não era fácil, não havia essas facilidades que vocês têm hoje.

Porém também nos divertíamos. Eu ia para bailes, ia ao cinema. Gostava de ficar passeando na praça. Naquela época, as moças ficavam dando voltas na praça enquanto os rapazes ficavam parados, só observando. Havia muitos alunos a Aeronáutica – eram chamados de “coca-cola”. A cidade era bem diferente. Havia um bondinho que ia até a cidade de Aparecida. Eu adorava andar de bondinho. Que saudades daquele tempo!

O tempo foi passando, eu fui crescendo e tinha que pensar em uma profissão. Naquele tempo não havia muitas opções para as mulheres, então escolhi ser professora. E ser professora naquela época era algo muito importante. Todos respeitavam.

Dei aula na roça. Eram três séries em uma mesma sala. Era longe e eu ia de carro, levava merenda, dava carona para os alunos que moraram distantes da escola. Era difícil, mas eu gostava. Adorava fazer festas, gincanas. Comprava presente e dava para quem vencia a gincana. Era muito bom.

Também dei aula na cidade. A última turma com que trabalhei foi no Costa Braga. Era uma turma difícil, com alunos problemáticos, mas eu gostava de trabalhar.

A minha maior satisfação era ver um aluno aprender.

Leonardo Lopes e Nicolas Santana.

Memórias de minha vida

Vendo vocês sentados aqui, lembro-me da minha infância, da minha vida de professora. Fui criada na roça e, para ir a escola eu tinha de percorrer um longo caminho. Não era assim como é hoje, tudo fácil. Tudo era mais difícil. Andava uns três quilômetros, a estrada era de terra. Ia embaixo de frio, calor, chuva.

Mesmo assim gostava de ir para a escola. Gostava de morar na roça. Subir em árvores, andar a cavalo, brincar...tudo isso que criança gosta de fazer. Eu morava em Cunha. Muita coisa mudou desde então.

Na minha época mulher não usava calça comprida, só vestido, saia, mas eu já usava. Como eu era a única menina da família eu usava calça, brincava brincadeira de menino junto com meus irmãos. Bons tempos aqueles.

Mas um dia tive que deixar o sítio e vir para Guaratinguetá continuar meus estudos, lá só havia escola até o primário. Aqui, morei em pensão, em colégio interno – no Nogueira da Gama – que não era onde é hoje. Era na rua Monsenhor Fillipo.

Foi difícil. Um sacrifício deixar minha família, minha casa. O estudo também era bem difícil. Não tínhamos livros; era tudo copiado à mão. E as provas...nós copiávamos o ponto, estudávamos, o professor sorteava um e fazia as perguntas oralmente, também havia provas escritas. Passar de ano era muito difícil.

Porém era muito bom poder estudar, além disso, eu me divertia com minhas colegas. Já mais crescidinha, ia para os bailinhos, ia ao cinema – havia dois cinemas na praça – o Central e o Urano. Também gostava de ir ao carnaval. Era diferente de hoje, não havia escolas de samba.

Outra atividade muito apreciada pelos jovens da época era o passeio na praça. As moças ficavam dando voltas enquanto os moços observavam. Naquele tempo já existia a Escola da Aeronáutica. Eu gostava de ir à praça para ver os “coca-cola”, assim eram chamados os alunos da Aeronáutica, não sei dizer por quê. Na minha época não havia perigo algum, podíamos andar a noite tranquilamente. Não havia violência, assaltos. Isso era muito bom.

A cidade também mudou bastante. Quando vim para Guaratinguetá, ainda nem existia a Vila Paraíba. Do lado de cá do Paraíba, eram só máquinas trabalhando. Ah, e tinha o bondinho que ia até Aparecida. Eu adorava andar de bondinho!

Quando terminei meus estudos, comecei a fazer aquilo que mais marcou a minha vida – dar aula para crianças. Ser professora, naquela época, era algo muito importante, era um charme. Nós éramos muito respeitadas. Também era uma das poucas profissões que mulher podia ter.

Gostava muito de trabalhar, principalmente na zona rural – as crianças eram muito boazinhas. Era difícil. Eu dava aula para a 1ª, a 2ª e a 3ª série em uma mesma sala. Cada fileira era uma série. Preparava um tipo de aula para cada série. Houve um ano que trabalhei com quatro séries na mesma sala.

Eu adorava dar aula na roça. Lembro-me de uma escolinha em que trabalhei em 1970. Ficava a uns 22 quilômetros daqui. Na Fazenda São José, Bairro da Água Branca. Eu ia de carro, levava merenda para os alunos. Também dava carona para alguns alunos que moravam longe. A Escola ficava do outro lado de um rio. Eu deixava o carro do outro lado e atravessava por uma ponte feita com um tronco de árvore. Era difícil, mas muito divertido. Ninguém aparecia por lá. A única pessoa que ia visitar a escola era o padre Costa, lá de Aparecida.

Foi muito gratificante trabalhar com aquelas crianças. Eu fazia festas, gincanas para eles. Ia em Aparecida e comprava presentes. Gastava todo meu dinheiro, mas valia a pena.

A última turma com que trabalhei foi no Costa Braga. Era uma turma problemática, alunos com dificuldades. Então eu dividia a turma também, como fazia lá na escolinha da roça.

Quando me perguntam que época mais marcou a minha vida não tenho nenhuma dúvida em dizer que foi a época em que eu dava aula. A minha maior satisfação era ver uma criança aprendendo a ler e a escrever.

Kleiton Cezar Marcondes e Saviely de Castro Souza