sábado, 25 de outubro de 2008

PARA REFLETIR...

Ao mestre, com carinho

CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS

Este momento da história é perigoso. Muitos de nós tornam-se tão "civilizados" que nem mais conseguem resistir à barbárie

OUTUBRO, MÊS em que os ingênuos comemoram crianças e professores, é uma boa época para refletir sobre o triste estado da educação brasileira. Para tanto, será útil examinar de que maneira os principais atores envolvidos entendem esse tema tão complexo.
Há os que vêem a educação como um mero instrumento para a formação de trabalhadores qualificados -de preferência, com pós-doutorado e MBA-, sem os quais é impossível aumentar a produtividade das empresas. Esses "devotos do progresso" não desejam, portanto, formar indivíduos complexos e transdisciplinares, mas apenas "aleijões especialistas" que se encaixem sem folgas no circuito produtivo-consumista. Há, porém, os que defendem uma espécie de "novo humanismo", concebido como uma reação à visão utilitarista do conhecimento que caracteriza o primeiro grupo. Infelizmente, a maior parte desses "neo-humanistas", entre os quais há muitos educadores, afunda-se cada vez mais num misto de relativismo pós-moderno e rebeldia sem causa, mostrando-se ainda órfã dos movimentos contestatórios dos anos 1960/1970. Por terem confundido -tolamente- autoridade com autoritarismo, esses "velhos revolucionários" já não sabem o que dizer aos professores quando estes são grudados -de verdade!- em suas cátedras ou atingidos por bofetadas (nada democráticas) de adolescentes quadrilheiros que desejam somente direitos e nenhum dever, constituindo, ironicamente, o resultado mais visível das pedagogias libertárias...
Há, por fim, os que parecem "estar pouco se lixando" para a questão da educação. Trata-se, todavia, somente de aparência...
Exibindo uma alta escolaridade, os membros desse terceiro grupo -banqueiros fraudulentos, políticos desonestos, religiosos impudentes, empresários espertalhões- têm profunda nostalgia do tempo em que o Brasil era "uma ilha de letrados num mar de analfabetos". Por isso, não medem esforços para perpetuar o estado de ignorância do "resto" da população, já que as suas vidas nababescas dele dependem crucialmente.
Além disso, por meio de leituras abusivas do nobre artigo 5º da Constituição de 1988 -das quais somente os "grandes letrados" são capazes-, essa gangue vai ficando sempre impune e cada vez mais poderosa, dando um exemplo "edificante", sobretudo aos cidadãos mais jovens.
Alheios a tudo isso, lá no ventre da "linha de montagem" em que muitos brasileiros são forjados, um punhado heróico de professores -despreparados e mal pagos- continua crendo que ensina a um contingente imenso de alunos, que "colaboram" com os mestres acreditando que aprendem.
Sem falar, é claro, da multidão de governantes "prestimosos" que fingem que se importam...
Nessa tragédia de erros mais ou menos voluntários, acabamos por perder, salvo honrosas exceções, o aspecto essencial do processo educativo: formar indivíduos equilibrados, responsáveis, solidários, criativos, conscientes das imperfeições da natureza humana, mas ainda assim desejosos de construir um sentido para as suas vidas que seja mais denso do que a acumulação de riqueza ou do que a busca desenfreada pela fama.
E o resultado dessa perda crucial, nós o vemos diariamente: um número sempre maior de pessoas desprovidas de coragem para enfrentar o absurdo da existência, agarrando-se a qualquer coisa que lhes permita esquecer a irrelevância das suas vidas; que buscam inutilmente nos outros o que só podem obter em si mesmas e que por isso mergulham num egoísmo malsão, que tudo pede e nada dá, que tudo suga e nada fecunda; que abdicam da lucidez em nome de qualquer credo, perdendo-se no anonimato dos rebanhos e entregando-se, por fim, aliviadas, à redenção da mediocridade.
Espero equivocar-me, mas julgo que vivemos um momento muito perigoso da história mundial, em que a sobrevivência de um pensamento independente e crítico é quase impossível. No caso brasileiro, ao contrário do que se diz, poucas vezes houve um patrulhamento ideológico tão intenso. Apenas ele é, hoje, mais sutil -quase transparente-, já que, graças à "deseducação", a censura não opera mais "de fora", mas "de dentro" das cabeças, coadjuvada pelo massacre midiático do politicamente correto.
Muitos de nós tornam-se, por isso, tão "civilizados" que nem mais conseguem resistir à barbárie. Eu lamento, professores e crianças, mas não há muito o que festejar.

CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS, 48, médico, psicoterapeuta e neurocientista, é escritor, artista plástico, mestre em artes pela ECA-USP e doutor em lingüística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França).

Um comentário:

Dinah Motta Runha disse...

Infelizmente sou obrigada a concordar com o autor em vários pontos. Mas, em relação à educação, sou uma otimista incorrigível, acredito que ainda qua seja com "trabalho de formiguinha" diante do sistema há Educadores plantando sementes que frutificarão em motivos para comemorarmos crianças e professores.

Matilde Espindola